Impulsionado pelas redes sociais e pelo maior acesso a informações sobre saúde da pele, o termo skincare entrou de vez no vocabulário cotidiano.
O uso de cosméticos com ativos que retardam os sinais da idade tornou-se parte da rotina de muitos, de forma que, em 2024, o mercado global de produtos antienvelhecimento foi avaliado em US$ 50,92 bilhões e a expectativa é que atinja US$ 80,55 bilhões até 2032.
No entanto, o tema é muito mais complexo do que a pele mostra e as marcas e influencers de beleza sugerem: fatores como instabilidade política, poluição do ar e alta desigualdade social também têm impacto direto na aceleração do envelhecimento cerebral. É o que revela um estudo inédito publicado em 14 de julho na revista científica Nature Medicine.
Não é novidade que o envelhecimento é um processo biológico influenciado por diversos fatores. Agora, uma nova pesquisa aprofunda o tema e revela como questões políticas, ambientais e sociais de um país influenciam, de forma significativa, o estado de saúde mental e física, ocasionando maiores índices de declínio cognitivo e quadros de demência.
O estudo foi desenvolvido por 41 cientistas da América Latina, Europa, África e Ásia com a participação de pesquisadores brasileiros apoiados pelo Instituto Serrapilheira.
Tradicionalmente associado com condições de caráter particular, como passado genético e estilo de vida individual, o envelhecimento, de acordo com a nova pesquisa, tem espectro mais amplo, envolvendo ainda uma combinação entre o ambiente em que vivemos e tudo a que somos expostos no dia a dia.
“Os resultados mostram de maneira marcante que o local onde vivemos pode nos envelhecer de forma acelerada, aumentando o risco de declínio cognitivo e funcional. Em um país desigual como o Brasil, esses achados são extremamente relevantes para políticas públicas”, comenta Eduardo Zimmer, professor da UFRGS e pesquisador apoiado pelo Serrapilheira, e um dos autores do estudo.
Contexto de vida e envelhecimento
A nível global, o envelhecimento mais rápido parece ser fortemente associado a níveis mais baixos de renda. Em geral, vários fatores foram associados ao envelhecimento mais rápido: físicos, como má qualidade do ar; sociais, incluindo desigualdade econômica, desigualdade de gênero e migração; e sociopolíticos, como falta de representação política, liberdade partidária limitada, direitos de voto restritos e democracias frágeis.
Em comparação, países europeus e da Ásia apresentaram um envelhecimento mais lento, enquanto o Egito e a África do Sul, mais rápido. Já o Brasil ficou no meio desses extremos.
“A importância desse estudo é a comprovação de como o contexto de vida mais amplo influencia a saúde cerebral. O local de nascimento e de moradia influenciam de maneira desigual o cérebro de todos. Viver na Europa, na África ou na América Latina tem níveis diferentes de impacto no envelhecimento por causa da disparidade na disponibilidade de recursos e acesso à saúde”, explica Wyllians Borelli, pesquisador da UFRGS apoiado pelo Instituto Serrapilheira e também autor do estudo.
O estudo tem a participação ainda do brasileiro Lucas da Ros, da UFRGS e também integrante do Zimmer Lab. Para ele, “antes de focar em riscos individuais, as autoridades de saúde devem priorizar a diminuição das desigualdades sociais e o desenvolvimento regional para promover um envelhecimento populacional mais saudável”.
Instabilidade política como fator agravante
Em um dos destaques, o estudo mostra como a polarização política, as falhas de governança e a instabilidade institucional estão diretamente ligados ao declínio cognitivo e de capacidades físicas em algumas regiões. Segundo os autores, esses elementos impactam a saúde pública ao comprometer a alocação de recursos, a coesão social e a estabilidade dos sistemas de saúde, ampliando as disparidades entre diferentes grupos sociais.
Os pesquisadores observam ainda que países com altos índices de corrupção, com baixa qualidade democrática e pouca transparência, têm maiores índices de envelhecimento acelerado. “A confiança no governo está associada a melhores condições de saúde, enquanto a desconfiança e a polarização política aumentam a mortalidade e enfraquecem as respostas de saúde pública”, escrevem no artigo.
É a primeira vez que a instabilidade política aparece em um estudo internacional, com grande volume de dados, como fator de risco para o envelhecimento. Os cientistas sugerem que a exposição prolongada a contextos de governança instável pode levar a um estado crônico de estresse, contribuindo para o declínio cardiovascular e cognitivo da população.
Além da participação no estudo internacional, Zimmer e Borelli publicaram recentemente na Lancet Global Health pesquisa que mostra que a baixa escolaridade no Brasil é o maior fator de risco para a saúde do cérebro da população no país, o que se traduz em maiores quadros de demência, como o Alzheimer.
A pesquisa
Ao todo, foram analisados dados de 161.981 participantes em 40 países, incluindo o Brasil. A pesquisa usou modelos avançados de inteligência artificial e modelagem epidemiológica para análise das “diferenças de idade biocomportamentais (BBAGs)” – termo usado para avaliar a diferença entre a idade real de uma pessoa e a idade prevista com base em sua saúde, cognição, educação, funcionalidade e fatores de risco, como saúde cardiometabólica ou deficiências sensoriais.
A partir disso, foi possível verificar uma relação direta entre o envelhecimento da população e os contextos políticos, sociais, econômicos e ambientais específicos de cada país.
As descobertas chegam em um momento crítico: com a democracia em declínio em todo o mundo, a poluição do ar atingindo níveis críticos e a desigualdade de renda aumentando, esses dados apresentam a primeira evidência de que exposições estruturais combinadas estão profundamente enraizadas em nosso processo de envelhecimento. Em uma era de crescente populismo, degradação ambiental e deslocamento global, compreender como os ambientes envelhecem nossos cérebros é um imperativo científico, político, ético e de saúde.
Para alguns especialistas, o estudo redefine a ideia vigente de “envelhecimento saudável”, de maneira que as estratégias de saúde pública devem ir além das prescrições de estilo de vida.
“Governos, organizações internacionais e líderes da saúde pública devem agir urgentemente para remodelar os ambientes, desde a redução da poluição do ar até o fortalecimento das instituições democráticas”, conclui Hernando Santamaria-Garcia, coautor e membro do Atlantic Fellow no GBHI, Universidade da Califórnia, São Francisco.
*Informações de Ciclo Vivo
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