O número de casos de câncer em jovens adultos de até 50 anos aumentou 284% entre 2013 e 2024 no Sistema Único de Saúde (SUS), segundo levantamento feito pelo g1 com base em dados do DataSUS.
O crescimento segue uma tendência mundial e atinge principalmente os tumores de mama, colorretal e fígado.
De acordo com o painel Oncologia BR, os diagnósticos nessa faixa etária passaram de 45,5 mil para 174,9 mil em 11 anos.
O câncer de mama lidera as ocorrências, com alta de 45% e mais de 22 mil novos casos anuais entre mulheres de até 50 anos.
Entre os tumores que mais crescem nesse grupo estão também o colorretal, ligado ao estilo de vida e à alimentação, e o fígado, associado a hepatites, obesidade e consumo de álcool.
Especialistas afirmam que o aumento reflete mudanças no estilo de vida, baixa adesão à prevenção e diagnóstico tardio.
“Os pacientes chegam jovens, ativos, cuidando dos filhos, e de repente descobrem um câncer avançado. É um choque, não se viam no grupo de risco”, diz o oncologista Stephen Stefani, do grupo Oncoclínicas.
Crescimento expressivo
Entre 2013 e 2024, os casos de câncer colorretal subiram de 1.947 para 5.064 diagnósticos, aumento de 160%. Segundo o médico Samuel Aguiar, do A.C.Camargo Cancer Center, “é uma doença de estilo de vida. Mais de 90% dos casos estão ligados à alimentação, sedentarismo e obesidade”.
O especialista explica que a colonoscopia, principal exame de rastreamento, ainda é pouco realizada antes dos 50 anos.
“Muitos pacientes jovens são diagnosticados em estágios avançados porque os sintomas são confundidos com hemorroidas ou alterações intestinais leves.”
Sistema de saúde com lacunas
Apesar dos avanços, o Brasil ainda não possui dados consolidados da saúde suplementar, o que significa que o número real de diagnósticos pode ser ainda maior. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que não consegue medir a incidência de câncer na rede privada, já que uma decisão judicial de 2010 impede o uso da Classificação Internacional de Doenças (CID) nas bases das operadoras.
“Na saúde suplementar, a notificação não é compulsória. O país subestima a real dimensão do problema”, afirma Stefani. O Ministério da Saúde também não possui um levantamento unificado, limitando-se a estimativas trienais.
Mudança no perfil dos pacientes
Os oncologistas destacam um novo perfil etário e comportamental da doença. Se antes os tumores eram mais frequentes em idosos, hoje os fatores de risco estão ligados ao cotidiano: alimentação rápida, estresse, noites mal dormidas e sobrepeso.
“A obesidade funciona como um órgão inflamatório, alterando hormônios e estimulando o crescimento de células defeituosas”, explica Stefani. Isso torna o organismo mais vulnerável a mutações genéticas, o que antecipa o surgimento de tumores.
Prevenção ainda é desafio
Para a médica Sumara Abdo, do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o sistema ainda não está preparado para diagnosticar precocemente pacientes jovens. “Os protocolos de rastreamento continuam voltados a pessoas acima dos 50 anos, mas a realidade mudou. Já há aumento expressivo de tumores em pacientes mais novos.”
Ela defende a inclusão de grupos de risco jovens em programas de prevenção, especialmente pessoas com histórico familiar, obesidade e sintomas persistentes.
As principais medidas preventivas indicadas por especialistas são:
- Manter alimentação rica em fibras, frutas e vegetais;
- Reduzir o consumo de ultraprocessados e bebidas alcoólicas;
- Praticar atividade física regularmente;
- Fazer exames preventivos conforme orientação médica.
Sistema público ainda sobrecarregado
Apesar da ampliação de exames como a mamografia a partir dos 40 anos no SUS, anunciada em 2025, a rede pública ainda enfrenta lentidão entre o diagnóstico e o início do tratamento.
“Muitos não começam a terapia dentro dos 60 dias previstos por lei”, diz a oncologista Isabella Drumond, das sociedades Americana e Europeia de Oncologia.
Segundo ela, a oncologia de precisão, que usa testes genéticos e terapias-alvo, ainda é inacessível à maioria dos pacientes do SUS. “Sem políticas públicas de rastreamento e diagnóstico molecular, a desigualdade só vai aumentar.”
Tendência global
O aumento de casos de câncer precoce é um fenômeno global. Um estudo publicado na revista Nature Medicine em 2022 apontou que a incidência de tumores em pessoas com menos de 50 anos cresce em todos os continentes, especialmente em países urbanizados.
“As causas mais prováveis são o estilo de vida moderno, o sono insuficiente e a exposição a poluentes desde cedo”, afirma Stefani.
O estudo alerta que, sem políticas de prevenção, países em desenvolvimento podem repetir o padrão de Estados Unidos e Reino Unido, onde os casos precoces já somam até 20% dos novos diagnósticos anuais.
Sinais de alerta
Nem todo câncer apresenta sintomas iniciais, mas médicos recomendam atenção a sinais como perda de peso inexplicável, sangue nas fezes ou urina, nódulos persistentes e cansaço extremo.
“O câncer diagnosticado cedo tem mais de 90% de chance de cura”, reforça Drumond. “Mas, para isso, o paciente precisa ser ouvido e ter acesso rápido ao exame certo.”
*Com informações do G1
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