Prisão de Bolsonaro pode ameaçar reaproximação entre Lula e Trump

Ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Ton Molina)

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de decretar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tomada na segunda-feira, 4 de agosto, pelo ministro Alexandre de Moraes, acontece em um momento particularmente sensível para as relações entre Brasil e Estados Unidos.

O episódio ocorreu na primeira semana de agosto, enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) buscava uma reaproximação com a administração norte-americana de Donald Trump, visando reverter ou suavizar o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, anunciado por Trump em 9 de julho.

A movimentação diplomática brasileira ganhou impulso com a reunião entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, realizada em 30 de julho. No dia seguinte, Trump chegou a declarar publicamente que Lula poderia ligar para ele “quando quisesse”.

A decisão de Moraes, no entanto, foi recebida com forte reprovação pelo governo Trump. Em publicação no X (antigo Twitter), o Escritório para o Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado norte-americano afirmou:

“Colocar ainda mais restrições à capacidade de Jair Bolsonaro se defender em público não é um serviço público. Deixem Bolsonaro falar! Os Estados Unidos condenam a decisão de Moraes, impondo prisão domiciliar a Bolsonaro, e vão responsabilizar aqueles que ajudam e incentivam a conduta sancionada.”

Silêncio estratégico e cautela diplomática

Diante da tensão, o governo brasileiro optou por não se manifestar oficialmente. De acordo com fontes do Planalto, a orientação entre ministros é evitar ruídos que possam comprometer as negociações comerciais em curso com os EUA.

Essas negociações são vistas como cruciais para setores da economia brasileira. Segundo interlocutores do governo ouvidos pela BBC News Brasil, a prisão domiciliar ocorreu justamente após um breve período de “trégua” nas ações do STF contra Bolsonaro, o que havia sido aproveitado por diplomatas brasileiros para tentar reabrir canais com Washington.

A ofensiva diplomática, no entanto, já vinha sendo prejudicada desde 18 de julho, quando Moraes autorizou uma operação de busca e apreensão na casa de Bolsonaro, em Brasília, e impôs medidas como a proibição do uso de redes sociais e de contato com Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Eduardo, que vive atualmente nos Estados Unidos, tem pressionado por sanções norte-americanas contra Moraes e chegou a comemorar, nas redes, o tarifaço anunciado por Trump.

Naquele mesmo dia, o governo norte-americano revogou os vistos de viagem de Moraes e de outros ministros da Corte. Em uma publicação nas redes sociais, Rubio escreveu:

“A caça às bruxas política do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não só viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil e atinge os americanos.”

Apesar da escalada, o governo Lula conseguiu realizar, em 30 de julho, o primeiro encontro formal com representantes da administração Trump, levando a mensagem de que o Brasil estava disposto a negociar — mas não aceitaria interferências nos julgamentos internos.

Impacto limitado na economia?

Para o professor Matias Spektor, da FGV-SP, embora os esforços recentes tenham se concentrado na área comercial, a prisão pode gerar consequências políticas:

“Trump pode, sim, manter ou até mesmo aumentar sanções contra membros da Corte e (adotar) outras medidas”, afirmou.

Já Hussein Kalout, conselheiro do Cebri e professor da Universidade de Harvard, acredita que a medida judicial contra Bolsonaro terá pouco impacto nas negociações comerciais:

“Os Estados Unidos vão olhar para aquilo que interessa a eles em matéria comercial. Bolsonaro nada mais é que um instrumento político pontual.”

A especialista Jana Nelson, da Universidade Georgetown, compartilha visão semelhante:

“Na perspectiva de Trump, tudo se mantém igual. Ele já achava, baseado em sua experiência própria, que o Bolsonaro é vítima de um processo de politização do Judiciário. E o fato de que o processo judicial (contra Bolsonaro) continua não necessariamente afeta a situação das possíveis negociações, até porque as negociações não começaram.”

Parte importante dessa análise considera a lista de exceções tarifárias divulgada na semana passada, que retirou cerca de 700 produtos brasileiros do aumento de impostos. Segundo a Amcham, essas exceções representam cerca de 42% das exportações do Brasil aos EUA.

Mandado de prisão

O mandado de prisão domiciliar contra Jair Bolsonaro, decretado na segunda-feira pelo ministro Alexandre de Moraes, foi baseada no descumprimento de medidas anteriores, como o uso de redes sociais e contato com aliados, além de aparições públicas recentes do ex-presidente.

Moraes entendeu que Bolsonaro “voltou a descumprir as medidas cautelares” e destacou que, “em liberdade, o ex-presidente continua a delinquir e atacar as instituições”.

A decisão representa um novo capítulo nas investigações sobre tentativa de golpe e articulações antidemocráticas, e amplia o isolamento político do ex-presidente tanto no cenário nacional quanto internacional.

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